julho 13, 2024

Transcendência


 


O sofrimento advém da escuridão da alma que não consegue ver a luz.

A alma, diferente do corpo físico, só vai enxergando a luz à medida que vai harmonizando e sincronizando a razão, a consciência e o sentimento, porque é justamente deste processo que nasce a sua capacidade de começar a perceber a escuridão de si mesma, trafegando por inúmeras armadilhas da ignorância que nos separa da felicidade.

Os que vão chegando ao portal que nos transporta para a dimensão da felicidade que imaginamos, são tomados pela surpresa e pela decepção ao descobrirem que o portal é uma borda de um abismo, uma fronteira intransponível por suas dimensões.

Muitos, levados pela revolta, retroagem e retornam com a única esperança de compensar a miséria de suas vidas interiores com algo externo que acresça algum sentido de felicidade, estrangulando seus sonhos sem nunca conseguir matá-los, sufocando suas consciências sem nunca conseguir silenciá-las.

Outros, paralisam pelo desânimo. Atônitos, permanecem ali, nas brumas da inanição.

Alguns poucos, consumidos por um desejo irrefreável, encontram a razão de viver na esperança de construir uma ponte que os permita atravessar para o outro lado.


Estes são chamados de loucos e sonhadores, porque diante da distância e a profundidade do abismo, tornam a conclusão de uma ponte impossível, no entanto, esses mesmos loucos não vêm mais sentido em continuar indefinidamente no marasmo da repetição que os mantém presos no limbo da ignorância e da dor, preferindo ocupar suas almas e alimentar as suas esperanças nesta construção impossível, que vai sendo copiadas por outros que fazem o mesmo, aprendendo com eles suas técnicas, pois diante das circunstâncias desse abismo e do material disponível, a ponte só pode sustentar seu próprio criador.

Seus construtores precisam durante a construção também enfrentar seus próprios demônios que buscam retê-lo, formando aliados com aqueles que atacam a ponte alegando que seus esforços deveriam ser empregados para somar forças na construção de algo factível, uma desculpa razoável para disfarçar a inveja ao verem que alguns já têm a ponte tão adiantada que já não mais alcançam seu construtor, acrescido do desejo oculto de tomar escravos que lhes sustentem o sentido de seus próprios interesses na amenidade de seus desconfortos.

Aqueles que conseguem alicerçar suas pontes sobre rochas firmes, construindo uma defesa sólida de sua cabeceira concomitante à estrutura que permite passo a passo prosseguir na direção desejada, vão se distanciando, caminhando pela solidão de algo que precisa ser feito por si próprio, parte do preço cobrado nesse esforço.

À medida que os construtores mais avançados prosseguem, vão descobrindo que muitas pontes terminam vazias e inacabadas. A primeira conclusão é que seus construtores desistiram ou encontraram a morte caindo nas profundezas do abismo. Então a pressão aumenta porque o fracasso de alguns estremece o sonho de outros, e só a persistência na certeza de um propósito maior que faça sentido à falta de sentido de seus passados, pode sustentar a continuidade.

Já muito distantes, descobrem que a neblina vai se tornando cada vez mais espessa, dificultando cada vez mais prosseguir na construção de suas pontes, e assim mesmo continuam, quando então descobrem que apenas atravessaram a nuvem mais espessa que pairava no vale, divisando o sol que lhes aquece.

À medida que prosseguem, essa luz vai transformando seus corpos, inchando suas costas. E apesar do medo de morrerem diante da luz que imaginam condenar a saúde mediante tanto esforço, continuam assim mesmo.

À medida que trabalham, vão alcançando paragens onde a luz, agora menos difusa, permite divisar outros. Percebem então que já não mais estão tão sozinhos. 
Cada um em sua ponte, embora separados pela distância, suas construções seguem paralelas na mesma direção, formando um senso de unidade que os conforta.

O tempo passa, interminável diante da ansiedade.
E os grupos que começaram suas pontes próximas uns dos outros, vão construindo uma sensação de paz e conforto através do que suas mentes podem trocar, e embora não vejam com clareza os demais grupos, ainda assim têm o conforto de seu próprio grupo.

O sol segue, aquecendo ainda mais intensamente o grupo mais adiantado.

Quebrando a rotina de suas vidas, um som novo espalha-se pelo ar, despertando suas atenções na mesma direção de seus ouvidos, quando vêm um companheiro do grupo despencar da ponte, desaparecendo na escuridão do abismo enquanto luta por bater inutilmente suas asas, ainda molhadas, que acabaram de nascer.

Angustiados, porque a transformação de seus corpos são semelhantes, perdem-se em suas conjecturas.
Imaginam para si o mesmo final de Ícaro, mas seguem, porque não encontram sentido em retroceder.

Algumas horas se passam quando tornam a escutar o mesmo som de algo arfando, como que escalando as profundezas dos paredões de ar daquele abismo.
O som do esforço, cada vez mais forte, lhes prendem a atenção, quando súbito desaparece, levando suas almas aflitas imaginarem o término de tanto esforço pelo fim do suplício.

Silêncio.

O mesmo silêncio das noites límpidas nas paragens isoladas da natureza distante do burburinho humano, que nos remetem a contemplar a beleza da grandeza de um universo estrelado, quando então, veem surgir sobre eles, batendo suas asas com destreza, aquele mesmo que pensaram ter perdido pela pretensão de voar, fazendo-os entenderam que a profundeza do abismo os protegia, pois de tão grande, era justamente o que lhes daria tempo de secar suas asas, fortalecer seus músculos e lhes ensinar o controle de seus voos.

E a semente da coragem renovou os ânimos do grupo, permitindo a cada um, à medida que suas asas brotavam a seu tempo e molhadas, enfrentar o medo de mergulhar na escuridão do abismo de seus passados como a última etapa para poderem ressurgir à claridade das alturas que já não mais precisando de suas toscas pontes poderiam agora voar em direção à luz que um dia sonharam alcançar à beira do abismo, quando entenderam que o portal é a própria transformação às custas da construção de suas próprias pontes sobre o abismo da ignorância que cava a sua própria profundidade até o momento que seus esforços, no sentido certo, lhes deem asas.

Teimosos, aqueles que ia chegando ao seu destino não conseguiam permanecer ali, reprimindo indefinidamente o desejo de ajudar.

Então retornaram apontando a direção através de seus voos, tal como faróis que orientam os navegantes durante o mau tempo, sustentando a rota da vida àqueles que podem ver sua luz.






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