julho 18, 2025

Escolhas

 

1° Edição, 2° revisão


 A vida é feita de escolhas, e estas dependem de julgamento.

O julgamento depende da análise e do sentimento, tudo regido pela percepção.
A percepção, uma vez que depende do 
estimulo do sentimento no curso do aprendizado, forma a bagagem que sustenta a análise.

Então percebemos que, basicamente, as nossas escolhas nascem desse entrelaçamento recíproco cuja base é o sentimento que une os pedaços da colcha de retalhos das nossas percepções, que através da análise sob o influxo do sentimento materializa o viés do juízo dos nossos julgamentos.

Somos seres preponderantemente sentimentais, a caminho do equilíbrio sentimental pela construção da racionalidade através das lições adquiridas, ora pela teoria, ora pela prática, quando os acertos e fracassos do sentimento e da razão consolidam a melhor assertiva.

Sentimento pensa pouco, mas sente muito.
Racionalidade pensa muito, mas sente pouco.

Novamente, a velha dicotomia que sustenta o Universo, polarizando nossas ações.
Claro/escuro, quente/frio, rico/pobre, ignorante/sábio, tudo/nada, amor/ódio, Yin/Yang, etc./vácuo.

As dualidades ou dicotomias não são necessariamente interdependentes.
Alguns acham que se não existisse o mal, não haveria o bem, assim como não existiria a luz se não fosse a escuridão. É o mesmo que pensar que uma lâmpada para acender dependesse de estar num lugar escuro.

Dessa forma, é falso que o bem dependa do mal.
É um argumento cínico para justificar o mal.
A relação entre ambos é de gradação, nada mais.
Do extremo mal, ausência completa do bem, ao extremo bem, ausência completa do mal.

Evolução é justamente o caminho que sai da escuridão em direção à luz, transfigurando-se em uma energia que depende do estado da alma, que uma vez expurgada do mal, não retroage, pois o mesmo foi extinto.

Nossas soluções são os reflexos das dualidades que oscilam na gangorra da vida buscando o equilíbrio em nosso processo evolutivo.

Quando criança, gangorra e balança eram meus brinquedos favoritos do parque, porque ambos pareciam poder libertar você da gravidade, cuja imaginação infantil completava o que faltava à realidade.

À medida que a gangorra se tornava menos interessante, encontrei outro uso para o brinquedo. Subia em seu centro, e sozinho, buscava reproduzir seu movimento, depois reduzir a sua oscilação até controlar o brinquedo no seu ponto de equilíbrio. Foi então que descobri que quanto mais afastados ficavam meus pés do centro, mais fácil era atingir o equilíbrio e mantê-lo. Quanto mais juntos, mais preciso se tornava a distribuição do peso e muito mais desafiador era mantê-la no ar sob a leveza do equilíbrio perfeito.

Mal sabia eu a lição com que a gangorra me presenteava por toda a vida.
As lições somatizadas eram sementes no terreno fértil da percepção ideológica.

Embora a experiência infantil parecesse distante quando na adolescência, ela renasceu ao longo da vida, sempre ponderando os dois lados entre as oscilações que alopram nossas decisões, tal como uma bolinha de Ping Pong, cada hora em um lado da mesa, e contudo, é justamente esta oscilação que dá sentido ao jogo porque desafia a capacidade do nosso controle.

Eu aprendi com a gangorra que à medida que reduzimos nossas diferenças, mais aprimoradas elas precisam ser para sustentar o equilíbrio.


Também aprendi com o Ping Pong que uma resposta sempre trazia sua réplica, então era preciso escolher bem a resposta para evitar a réplica.

Fiquei muito hábil nas cortadas, sempre buscando definir o jogo o mais rápido possível. Mal sabia eu que me tornava um ditador no tênis de mesa aproveitando-me da regra que obrigava o perdedor a ceder a sua vez ao próximo da fila. Eu não fiz a regra, apenas aprendi a aproveitá-la a meu favor, a exemplo de uma série de outras regras desprovidas de generosidade que regulam a sociedade.

Conclusão: eu precisava apenas ter paciência de esperar a minha vez.
E tão logo a conseguisse, só sairia da mesa quando desejasse, assim que o desinteresse ou o cansaço tomasse conta, quando então eu passava a raquete para qualquer um e saia da brincadeira.

Isso me recorda alguns políticos.
Aguardam sua vez, esperando mantê-la.

Para mim, a graça do jogo estava em rodar todos os participantes até encontrar alguém que me derrotasse.

Derrotado, ficava aguardando a minha vez enquanto observava o estilo daquele que havia me vencido, descobrindo seus pontos fracos, porque invariavelmente todos têm. O meu, era a minha estatura, não era alto relativamente à minha idade, o que tornava tudo mais difícil, levando-me a aprender a saltar, literalmente.

Quando desconhecia o oponente, eu arriscava a técnica que trazia mais resultados enquanto ganhava tempo para observá-lo. Se o oponente era hábil em rebater uma cortada longa, ele tendia a perder nas cortadas curtas, próximas à rede da mesa, tanto no centro como nas quinas das laterais.

Se ele esperasse um bola forte, eu atendia sua estratégia em algumas jogadas, o que lhe fazia manter distância da mesa, e no golpe seguinte rebatia uma bola fraca muito próxima à rede, sem força de repique.
Era fatal.
Ele nunca chegaria a tempo de rebatê-la antes do repique por uma simples questão física: o tempo do repique 
baixo era muito curto.


O domínio desse jogo alimentava meu sentimento de poder e controle, mas ao mesmo tempo trouxe uma sensação de tédio, que me fez trocar de atividade para algo novo, mais desafiador, buscando esportes onde pudesse competir comigo mesmo.
E o que é mais desafiador do que o risco da própria vida?

Uma nota ao leitor:

Eu não aprendi pelas próprias mãos o sabor indescritível de estar vivo após cruzar de perto com a morte. A vida me proveu tais momentos totalmente alienados do meu poder de decisão, ou mesmo do meu desejo. Essa sensação posterior ao momento crítico é 
inebriante e altamente viciante, ainda mais para alguém que já nasce com o gosto pelas emoções fortes.


Então, busquei a pilotagem e o mergulho, sempre aumentando meus desafios pessoais.

O mergulho pela beleza fantástica sob o silêncio, uma vez ou outra interrompido por um som desafiante.

A pilotagem porque era algo que me alienava e me jogava no prazer do agora, sem passado, sem futuro. Um descanso para a alma ansiosa.

Um dia, já me sentindo muito confortável a 16 metros de profundidade em apneia (freediving), observei um outro mergulhador, que utilizando garrafa (cilindro com ar comprimido), usava uma técnica de caça que me chamou a atenção pela esperteza da “caça”. O mergulhador desceu mais um poucos metros junto ao solo, e eu o acompanhei mantendo distância para não importunar.

Simplesmente esqueci da equação tempo vs. profundidade, embora a profundidade doesse aos meus ouvidos sem a proteção ou o preparo sob uma pressão maior, fora da minha zona de conforto. A falta de ar repentina me fez lembrar da volta, cujas condições de sobrevivência se mostravam pouco prováveis quando olhei 
acima para a imensa coluna de água que precisaria percorrer, e entendi que eu não tinha reserva de fôlego para a volta, consumida na minha distração, mas sobrava o desejo imenso de viver. 


Rejeitei a morte contra todas as estatísticas e me concentrei em viver.

Enquanto subia, o coração começou a bater muito forte, como um tambor no meu cérebro, causando um tipo de desconforto que parecia dor e atordoava um pouco.

O pulmão buscava ar cada vez mais desesperadamente através de espasmos crescentes e violentos que tragavam meus lábios para dentro da boca cerrada parecendo repuxar a pele do meu rosto, tal como se eu estivesse me engolindo.

Embora tivesse perdido parcialmente o sentido de direção, eu me orientava pela claridade e pela leveza do corpo que se sente 
alijado da pressão da profundidade à medida que volta à superfície.

Tudo o mais era concentração em conter a vontade de tragar a água pelo desespero de respirar, algo que seria fatal, embora dividida com a coordenação dos meus movimentos em favor da direção correta para que eles pudessem prover o retorno mais rápido possível. Todo o meu ser dividiu-se nestas duas únicas tarefas, fazendo desaparecer o medo ou a esperança, vivendo apenas o objetivo do momento, e mais nada.

Esse mesmo comportamento em momentos críticos me sustentou 
ao longo da vida diante dos muitos outros incidentes, quando tudo desaparece exceto o foco da solução que parece parar o tempo, tomado por um estado de consciência clara, precisa, e isenta de sentimentos e tomados de racionalidade, fazendo perfilar pelos seus olhos a sensação que o mundo ficara em câmera lenta, como se ele pudesse esperar por você o tempo necessário e suficiente que permitisse observar até encontrar a solução.

Subsequentemente, foram assim os vários momentos vividos na pilotagem e outros, com uma diferença. Eu descobrira que era capaz de entrar neste estado temporal naturalmente quando o risco se tornava muito alto. Isso me levou a arriscar cada vez mais, principalmente na pilotagem. Era magnífico porque o nível de superação crescia absurdamente. Infelizmente, eu não conseguia o mesmo efeito sem esta condição crítica, quando a vida corre risco real. Ou seja, descobri que diante desse tipo de momento, eu me induzia a este estado, o que me levava a contar com ele.

Com o tempo, descobri alguns filmes relatando casos similares que evocaram a minha curiosidade, e por coincidência, ou não, achei um livro que me deu as pistas para alguma explicação razoável desse fenômeno, segundo alguns cientistas que o estudaram, além de alguns exercícios adicionais que comecei a praticar.

Retomar o controle do seu carro em uma estrada com acostamentos areosos é mais viável quando tudo parece devagar, quase parando, onde você tem a oportunidade de observar a melhor textura da pista que pode ser conjugada à ação de reparo ao volante que exige de seus pneus a aderência suficiente para ter sucesso, como se o peso do seu carro fosse a extensão de seu corpo, assim como um animal quadrúpede deve sentir o solo durante a sua corrida para corrigir a sua direção. Foi assim que me senti durante muito tempo, como se os pneus do carro fossem as minhas patas.

Alguns amigos e amigas correram comigo como meus caronas.
Em todos eles, vi seus medos convertidos na mesma emoção que sustenta o prazer pelo extremo.
Homem, ou mulher. Indistintamente. Eu não era o único, pois é viciante.
Really addictive!

Assim que eu consegui me aproximar da superfície, soltei o ar velho, e me lembro até hoje como se fosse ontem (chavão, mas literalmente apropriado), quando meu corpo emergiu da água até a altura próxima à minha cintura, me fazendo lembrar que ainda não era o momento certo de inspirar, porque iria engasgar seriamente com a água jorrando da cabeça. Apelando ao que sobrava das minhas forças, segurei por mais um ou dois segundos cruciais, até que o corpo retornasse mais calmamente do movimento de refluxo da segunda emersão, e durante aquele breve intervalo do retorno à linha d’água, arranquei a máscara com violência atirando a água longe e abrindo espaço para uma renovação curta do fôlego, cuja inspiração soou forte como o sopro da vida de quem volta da morte, mas suficiente para que eu pudesse aguardar até que flutuasse à superfície com alguma estabilidade e normalizar a respiração com segurança.


Passado aquele momento decisivo, descansei alguns minutos, recuperando-me, enquanto me preocupava em me censurar pela falha que cometera, quando então, dei por mim ao olhar para o horizonte, percebendo a segunda falha que acrescia à primeira.

De um lado havia o oceano Atlântico, do outro uma praia cuja areia desaparecia, vendo
 apenas alguma coisa da sua avenida sob as suas construções. Estava muito longe, a correnteza havia me carregado para fora da visibilidade de qualquer salva-vidas ou de quem quer que seja.

Esse não era o problema, porque frequentemente fazia isso.
O problema real era a força dessa correnteza que pela velocidade com que me afastara da costa, deixava-me claro o segundo desafio: voltar.
Poderia vencer a força daquela correnteza?

Considerei a minha situação fazendo um balanço.
Havia estressado o meu corpo após muito tempo de mergulho culminado numa ação de sobrevivência extrema, a temperatura da água era favorável e o vento não era problema. Não escapou naquele momento o desejo de quem precisava da areia quente sob o corpo para descansar da fadiga sentindo a solidez de um chão firme.

Removi esse começo de pensamento da mente, porque assim começa o medo, que é como a vontade de comer que se alimenta da imaginação que acelera o apetite. Eu novamente precisava de concentração total na solução.

A salvação veio mergulhando sob a correnteza para escapar de suas garras, e tão logo consegui, voltei boiando de costas sob a brisa quente que já soprava com cheiro de praia. 
Sim! Praia tem cheiro para quem não sabe, assim como o oceano.

Sobrevivi graças ao sangue frio que busca o melhor pensamento, aliado ao preparo físico, à técnica e invariavelmente à sorte, pois se a correnteza fosse uma coluna de água muito alta, certamente não conseguiria superá-la.

E a sorte fez toda a diferença, pois eu cheguei a afugentar alguns daqueles relâmpagos mentais cujo reflexo do desespero insiste em mostrar a sua imagem no espelho do medo, em pleno oceano, só e sem avistar a costa, arrastado pela corrente, se eu durasse tanto. Não tinha nenhum corte e conseguia controlar a emoção, o que aumentava as minhas chances quanto aos tubarões, uma experiência que cheguei a viver mais tarde, quando este evento que parecia ser parte do passado, me levou a nunca mais mergulhar sem a faca de calcanhar e um arpão profissional como medida paliativa.

Quando criança treinara muito esse nado de costas na piscina de adultos, já que não dava pé para mim, pois rejeitava a piscina infantil, argumentando que ela era uma poça rasa e imunda, o que meus pais concordavam, levando-os a me treinar intensivamente, adivinhando que aquela criança iria precisar.

Assim, boiar e nadar de costas virou minha natureza, o meu jeito de descansar das várias enrascadas em que me metia, quando já não sobrava muito vigor físico, e contava com ela em suas várias modalidades.

Quando finalmente atingi a área da arrebentação, embora as condições físicas fossem razoáveis, resolvi esperar por um "taxi" que se apressou em aparecer já que o mar estava agitado à orla, pegando uma carona num “jacaré” que deliciosamente me carregou até a areia quente, aproveitando uma onda forte, daquelas geladas que se formam logo no fundo da praia tal o impulso que carregam, descendo sua força com violência sob o meu corpo que virara a prancha de salvação que me conduzia de volta à vida.

Foram tantas as situações que sobrevivi no extremo do tudo, que me fez questionar o meu sentido de vida em viver assim, principalmente quando uma “voz interior” me avisou:

“Para!"
"Acabou!”

Lacônica.
Direta.

E depois apenas o silêncio da advertência que pesou no ar, dando seu toque fúnebre 
pelo resto do dia, gravando em minha memória para sempre. Para piorar tudo, eu também velei o triste adeus de algo que tanto amava, como se parte de mim morresse. Sensação de impotência, inferioridade, decadência, e um conjunto de sentimentos que meu ego antes sustentava no sentido oposto.

Eu parei apesar de tudo, porque essa mesma voz interior sempre muda, mas companheira, houvera me acompanhado em todos os meus arrojos, provendo uma saída, seja pela certeza de que eu não morreria, ou por oferecer a solução improvisada naqueles parcos segundos que nos distanciam da morte, ou ainda sem mim, através dela mesma.

Um dia tentei contar todos estes momentos.
Quando cheguei no décimo quarto, fui tomado de uma ansiedade tão intensa, que desisti de relembrar aqueles outros que ainda faltavam, e não eram poucos, afogado pelo sentimento que essa contagem produzia por fazer diminuir a distância da morte que calmamente carrega a mensagem da estatística, que agora parecia contar contra mim, pesadamente.


Eu compartilhei um pedaço da própria experiência, ora tomada pelo espírito competitivo, ora tomada pela ambição que sustenta o ego, porque foi através dessas experiências que pude me entender melhor, e por conseguinte, o meu próximo.

O Homem é orientado pelos sentimentos que sustentam as suas ações.
Alguns não têm a sorte de ter essa voz interior que lhes definam os limites, ou mesmo um basta, ou ainda não gozam da oportunidade de terem tempo hábil para o aprendizado,  que é interrompido prematuramente.

Talvez, nestes casos, essa voz tenha seu grito emudecido pelo autodeslumbramento extremo da alucinação, tal como aquelas produzidas por drogas alucinógenas, porém ainda mais forte porque a alma parece ilimitada, tornando-se surda pela ambição de sonhos cada vez maiores, até que um deles traga às profundezas da efemeridade material a ilusão da ignorância.

Essas experiências fizeram parte do que eu precisava aprender, mesmo distantes de suas naturezas contextuais, porém similares por equidades de princípios mais abstratos que precisei viver ao longo da vida.


Como exemplo de algo que rege as nossas atitudes, um regime político entende que faz jus ao direito universal de autodefesa, seja ele qual for.

A democracia lança mão do silêncio que amordaça seus opositores em nome desse direito nos seus momentos extremos de autopreservação, igualando-se aos regimes totalitários, pois do contrário sucumbe quando os seus cidadãos divergem em grande número do senso comum de cidadania que a sustenta.

Então resta a clássica pergunta:

Até onde a liberdade pode resistir ao caos das ações totalmente livres?

Paradoxal.

Por mais que você busque uma solução em processos de controle, ideologias políticas ou soluções de contenção pela força, elas sempre falham, porque a peça fundamental que as cria e as sustenta, não se sustenta por si própria — o ser humano.

Regimes e processos apenas movem a roda da vida na sucessão de experiências cíclicas, que conduzem o ser no aprendizado da sustentação do equilíbrio dessa gangorra de decisões, à medida que reduz a distância entre os pés onde pousam cada lado da dúvida, acrescidas das vivências que os levam além de seus limites pelo então ilimitado desejo de possuir, cuja necessidade de controle se camufla como solução, benefício, e proteção, seja de si mesmo ou do povo que clama proteger.


À medida que fui sobrevivendo aos meus limites, fui aprendendo que até o mais aparentemente puro ideal de superação pode se converter no seu pior inimigo: você mesmo.


NÃO EXISTE REGIME POLÍTICO, NEM TÃO POUCO SISTEMA DE REPRESSÃO, QUE TRAGA SOLUÇÃO DE PAZ, ENQUANTO O ESPÍRITO É EDUCADO PELA COMPETIÇÃO.

 


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