Lendo este artigo no jornal Estadão:
Pedidos de admissão gerados por IA viram dor de cabeça para faculdades nos EUA
o texto faz a seguinte asserção:
"A fácil disponibilidade de chatbots de IA, como o ChatGPT, que pode produzir textos semelhantes aos humanos em resposta a solicitações curtas, está pronta para mudar o processo tradicional de inscrição em faculdades seletivas - dando início a uma era de plágio automatizado ou de acesso democratizado dos alunos à ajuda para escrever redações. Ou, talvez, ambos."
A autora, Natasha Singer, empregou o termo "democratizado" como um "eufemismo" popular, compreensível, mas totalmente inadequado.
É comum autores abusarem de eufemismos para se tornarem compreendidos, simpáticos ou socialmente aceitos.
O texto conduz ao reforço de uma compreensão distorcida sobre o que é democracia e à adoção de uma forma de pensar equivocada.
Se não fosse um conceito tão importante, certamente nem teria ânimo para escrever sobre o tema.
Frases assim, reforçando conceitos desfigurados, inadequados e impróprios vão contribuindo para uma confusão geral nada saudável, nada produtiva, confundindo democracia como um direito a todos, um acesso geral, como um estádio de futebol com bilheteria liberada.
Oferecer a possibilidade para que qualquer pessoa possa ter acesso à educação não significa democratizar o ensino, mas reconhecer o direito à igualdade de possibilidades. É um efeito direto do conceito de meritocracia. Algo como, se você é um ser humano (o mérito é ser um humano), então você pode frequentar um curso para humanos.
Acontece que a meritocracia é por natureza nivelada por conquistas, daí o termo "meritocracia" pois a cada conquista em que você adquire o mérito respectivo lhe proporciona direitos adicionais.
Democracia é um tipo de meritocracia, onde um cidadão, por ser cidadão, pode expressar sua opinião em eleições e pleitos. Não é efetivamente para todos.
Observe que o direito ao voto não vem de graça!
Ele embuti o conceito seletivo da meritocracia pois não é qualquer um que pode sair votando pois existem regras para que o indivíduo tenha este direito.
Infelizmente, com o passar do tempo, as coisas foram ficando confusas e misturadas pelos discursos demagógicos fazendo confundir "democracia" com vale tudo, bilheteria aberta, boca livre, o famoso "é pra todos, para quem quiser", de graça, free, etc.
Se você ainda tem dúvidas, eu lhe pergunto:
Cobrar ingresso restringe o acesso, logo a "cobrança de ingresso" seria democrática?
Na frase acima, temos uma prova pelo "absurdo", ou seja, é um método onde você parte de uma premissa que por fim lhe conduz ao absurdo, provando por lógica que a premissa é falsa.
A prova que a nossa sociedade é totalmente baseada em meritocracia vem do fato dela ser monetizada.
Receber e pagar é uma forma de avaliar e portanto é um efeito inegável de meritocracia.
Democracia é o direito de votar, mas em si mesma não é democrática no sentido usual que as pessoas costumam empregar porque não é para todos, pois exige um título eleitoral.
Percebe? É meritocracia!!
Existem exigências para se obter um título eleitoral.
A meritocracia é a base do julgamento humano em todas as nossas ações ao longo de todo o tempo de existência da humanidade.
Se você é mãe ou pai, então provavelmente já condicionou atender o pedido de seu filho a alguma coisa que ele deva antes cumprir. Se você fizer isto, então pode aquilo.
Confundir que democracia significa liberação geral é o mesmo que tornar a mãe daquele garoto uma despótica autocrática ou o chefe que recompensa o melhor funcionário, um ditador!
Seria algo como pensar que o campeão que chegou ao primeiro lugar é fruto de um regime aristocrático.
Todos esses pensamentos são insanos, mas a mente humana funciona como o Titanic.
O Titanic era dividido por muitos compartimentos, e por isso era considerado um navio à prova de naufrágio, ou seja, mesmo havendo vazamento em dois ou três compartimentos ainda assim o navio continuaria flutuando.
Por pressão do dono do navio, John Pierpont (J.P.) Morgan, o Titanic navegava muito embalado em uma zona com muitos icebergs e névoa, bruma, onde a visibilidade é instável. O dono visava provar que o navio era rápido. Quando avistaram o iceberg, o Titanic não teve tempo de realizar uma manobra para desviar, principalmente considerando que ele tinha leme pequeno para o seu tamanho, mas suficiente para cumprir trajetórias oceânicas porém insuficiente para manobras radicais. Por um conjunto de fatores, conseguiram a proeza de rasgar o Titanic com um rasgo tão grande que a divisão em compartimentos se tornou inefetiva.
O que tem o Titanic em comum com o pensamento humano?
O pensamento humano funciona com compartimentos estanques, selados como o do Titanic.
Temos o hábito de pensar de forma isolada, restrita, ou seja, dentro de um compartimento que forma o contexto.
Então o nosso raciocínio parece valer dentro daquele restrito compartimento.
Quanto aplicamos o mesmo raciocínio a outro compartimento, muitas vezes alegamos que os resultados são diferentes porque são coisas diferentes.
A crise acontece, e precedendo a ela vem a confusão, quando nós somos obrigados a trabalhar um pensamento que se torne comum a todos os compartimentos, como se rasgássemos o corpo de nosso raciocínio de ponta a ponta. É justamente quando o indivíduo afunda na confusão.
Isolar raciocínio pode ser útil, mas é necessário que todos os compartimentos estejam trabalhando harmonicamente, ou seja, com coerência.
Analisar a democracia por esse método ajuda a entender que não existe igualdade para todos, mas tudo advém de algum mérito anterior, por menor ou mais óbvio que seja, até mesmo o direito à vida, cujo mérito é termos tido pais cuja gravidez teve sucesso.
Portando, democracia não significa igualdade para todos, mas possibilidades mais amplas e condescendentes com a representatividade do desejo da maioria.
E o que acontece quando a maioria excede a minoria pelo
mínimo?
Por exemplo, imagine que a diferença entre os votos de dois
candidatos a presidente seja algo em torno de 1%?
Então, os atos do presidente eleito serão de fato
representativos da vontade daquela nação?
Ou apenas da metade dela?
O que acontece com uma nação representada apenas pela metade dela diante de
posicionamentos políticos críticos?
A parte excluída estará disposta a pagar pelas consequências das decisões da metade
ganhadora?
E por quanto tempo e intensidade de sofrimento?
Teria o presidente eleito o direito de se posicionar livremente de acordo com a
ideologia do seu partido vencedor?
Se estendermos o raciocínio a uma relação conjugal, quanto tempo o casal poderá
suportar a união diante de decisões unilaterais delicadas que levam a consequências muito
indesejáveis?
Lembrando que o divórcio de um casal já é muito dolorido, o divórcio de um povo
é ainda muito maior, insuportavelmente mais dolorido.
Resta ainda um longo caminho de aperfeiçoamento do processo democrático, que
parece quase estagnado pelas bases alimentadas pela demagogia que trabalha
conceitos falsos mantendo o status quo
que fomenta o extremismo, tal como células do corpo que adoeceram, tornando-as
o câncer que corrói a existência do todo.
A democracia precisa evoluir para reduzir a oscilação dessa
gangorra ideológica, em que, quando um lado está em alta, conduz à sua própria
queda para elevar o lado oposto.
E não sai disso!
Democracia conduzindo a regimes autoritários, sejam eles de
esquerda ou de direita, e consequentemente os mesmos regimes outrora eleitos
tornando-se desgastados por suas deficiências que conduzem às lutas internas para o
retorno à democracia.
A dissolução da União Soviética resultando no conflito entre
Rússia e Ucrânia, são exemplos vivos do nosso momento atual.
Se duas pessoas sentadas na ponta da gangorra caminharem em
direção ao centro, a oscilação é reduzida.
Se aperfeiçoarmos o processo democrático tornando-o de fato
mais representativo apesar de resultados desfavoráveis a este equilíbrio, então
também reduziremos a oscilação dessa gangorra do sofrimento humano em busca da
paz e da justiça que sustente uma distribuição mais equitativa das riquezas, já
que esta última depende da primeira.
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