Este é um tema bem abrangente, então vou restringir aos pontos mais marcantes para acomodar num espaço de leitura que não extrapole o ânimo do leitor.
É uma missão difícil porque o tema é extremamente rico e instigante.
Projeções não devem ser elaboradas para serem boas, nem ruins.
Projeções devem ser alijadas de sentimentos porque a busca para o cenário mais provável com base no contexto da sua criação precisa ser exercida com a razão, não com a emoção.
Não é time de futebol. Não é torcida.
A sociedade se acomoda através do desconhecimento.
Quando as novas gerações não percorrem as experiências das gerações anteriores, então se adaptam ao seu meio corrente como algo natural, uma forma de amnésia social induzida pelo descaso onde a cultura desse povo abandona parte de si mesma.
Quanto maior o desprezo da nova geração pelo passado, e quanto mais imprecisos são os registros de sua história, maior a intensidade desse esquecimento que envolve todas as áreas, sejam artísticas, tecnológicas ou mesmo as dores causadas pelas guerras que ficam anestesiadas pelo tempo.
Isso tem um lado bom!
Se uma geração nunca viu uma praia despoluída, um mar límpido e cristalino com recifes de corais vivos e a sua população multicolorida, então não vai sofrer o sentimento de perda de algo que não nunca teve ou vivenciou.
Isto aumenta a adaptabilidade do jovem em detrimento da sua real noção da qualidade de vida que poderia alcançar. É como o pobre que nunca foi rico. Muito mais desvantajosa é a situação do rico que ficou muito pobre. O rico viveu a riqueza. O pobre faz uma ideia dela.
Todo processo tem seu lado positivo e negativo.
Dessa forma, mesmo que essa projeção possa parecer muito desagradável aos seus olhos atuais, não terá o mesmo vigor aos olhos das gerações futuras se persistir o compasso de desprezo por sua própria história. Se de um lado isso reduz o sentimento de perda, por outro aumenta a percepção míope de nosso contexto. Como diz um ditado americano, muito popular: No pain, no gain. (Sem dor, sem ganho).
Em outro post publicado neste site foi descrito a influência da IA na substituição dos postos de trabalhos que têm carácter mais repetitivo, que são os mais vulneráveis a serem totalmente substituídos pelos recursos que a IA atualmente pode oferecer no curto e no médio prazo.
A IA é ainda uma criança naquele estágio em que está aprendendo a repetir o que os pais falam, e que ainda não dispõe de muita capacidade de inteligir e interagir de forma mais complexa e criativa. O nome disso é autonomia, e ela tem seus lucros e suas dores. Todos os pais conhecem bem o dilema à medida que seus filhos se distanciam da sua influência pela autonomia que vão adquirindo.
Fala-se muito de IA, porém ainda é muito mais um produto de marketing para incentivar a demanda em benefício do capital das empresas que investem no setor.
É mais espuma que chope, por enquanto, embora um grande passo!
À medida que o boom, ou seja, o impacto desse marketing vai passando, vamos coletando as inúmeras notícias cada vez mais frequentes mostrando as deficiências e as falhas ainda por suprir desse campo novo. Os carros quando surgiram, utilizavam manivelas para acionar o motor. Hoje, fazemos pelo celular.
Vamos deixar de lado todo esse fuss do marketing que precisa agitar para vender.
A nossa projeção vai caminhar pelos tempos futuros em que a IA deixou de ser uma criança e começa a elaborar seus raciocínios mais complexos a ponto de começar a competir com o nível de inteligência médio da população.
É nesse momento que as mudanças radicais irão varrer as estruturas sociais e econômicas que perduraram tantos séculos.
Por que?
Partindo-se de um exemplo pode-se por analogia aplicar a outros casos, e o exemplo escolhido é o momento em que a IA puder realmente substituir as suas "mães", ou seja, os programadores no primeiro estágio e os seus engenheiros de software no estágio final.
A natureza oferece exemplos onde a vida da mãe é sacrificada ao gerar seus rebentos, como é o caso dos polvos — por coincidência, cefalópodes inteligentes.
Se você não conhece essa peculiaridade, tem este link (em inglês, mas fácil pelo tradutor automático do browser ou do Google), e também tem um maravilho documentário disponível na Netflix: My Octopus Teacher. Se assistir, não vai se arrepender.
Ou ainda, você pode perguntar aos inúmeros chatbots "inteligentes" que temos hoje! :-)
Certamente, muitos desses engenheiro acabarão sua missão tão logo gerem seus filhos.
Por enquanto, apenas as faixas sociais com menores recursos sofrerão os reveses, mas o processo, no longo prazo, irá paulatinamente se propagando por toda a cadeia.
Coisas da natureza!
Quando uma máquina for capaz de se autoprogramar com um alto nível de raciocínio e autonomia, consequentemente também será capaz de gerar programas prontos para usos externos para atender uma necessidade requisitada por algo ou alguém sem a necessidade que se possua esse conhecimento específico. Será quando viveremos aquela cena típica de cinema futurista em que um indivíduo pede ao computador: "Fulaninha, ou fulaninho... Eu preciso que você me faça um site para oferecer os melhores negócios do planeta"...
Então vem a resposta típica:
"É pra já, dois minutinhos fulanão! Ooops! ...Retifico: Meu mestre!"
(todo programa tem sempre um "buguizinho", mas não aparece nos filmes em geral, e eu não resisti introduzir algum aqui, nem que seja só um pequeno detalhe na resposta... para tornar a coisa mais "pé no chão " :- )
Repare que no texto acima utilizei os termos "algo ou alguém"...
Isso é ainda mais triste, porque uma máquina poderá pedir um programa ou uma tarefa inteligente para uma outra mais especializada!!!.... (Isso ja é o cotidiano dos serviços de integração entre máquinas, mas sem os níveis de autonomia que a IA adicionará).
Então vem a pergunta...
Quem vai conseguir controlar as comunicações entre máquinas super inteligentes?
Isto é uma outra incógnita que deixo para a imaginação do leitor, uma vez que nem conseguimos controlar as nossas comunicações humanas, lembrando que os nossos programas de IA serão tão encharcados das nossas falhas morais quanto os seus engenheiros.
Voltando ao exemplo dos "melhores negócios do planeta", se existe "uma melhor solução" para algo, então qualquer outra solução concorrente será próxima, parecida, resultando em alguma coisa similar, senão igual, com toques "pessoais" não tão relevantes porque os sistemas competirão com bases de dados similares cujo nível de excelência não poderá distar muito entre eles pois na selva da competição o mais fraco extingue-se rápido pela seleção natural de mercado.
Excluindo as camadas intelectuais muito privilegiadas, o valor da criatividade, do capital de investimento e do tempo investidos serão nivelados por baixo, barateando os custos uma vez que o mercado é regulado pela lei da oferta e da procura.
Tem muito, é fácil, é corriqueiro, então o preço desaba.
É raro, é difícil, então o preço extrapola.
Os valores agregados serão devorados pelo tsunami da disponibilidade técnica levando com ele o valor do capital mediano para o poço.
Mesmo que se utilize uma máquina dessas na busca do produto dos sonhos, também não fará muita diferença porque muitos outros também o terão de modo similar e a concorrência tornará o propósito final sofrível ou inviável, exceto para os grandes capitais que dispõem de meios para subjugar a concorrência menor e seus consumidores, como já acontece hoje em escala mais lenta dadas as restrições que a tecnologia futura vai superar. Portanto, agilidade nem sempre é uma coisa tão boa.
Depende a direção que ela toma!!!
O investimento ficará cada vez mais restrito aos enormes conglomerados de capitais que poderão empreender algo com valor agregado real acima daquele que a inteligência artificial for capaz de gerar, desde que aliada a uma casta intelectual que se tornará escrava pela especialização e pela indisponibilidade de alternativas de trabalho em seu alto nível laboral.
Se hoje já temos uma concorrência brutal banalizando o processo e concentrando a renda, então no futuro, a aceleração voando pelas asas da computação quântica através dos processos inteligentes conduzirá rapidamente para a socialização inevitável de todos os meios sociais e econômicos.
O capital deixa de ocupar a mesma importância que hoje tem na relação sustentada pela pluralidade das oportunidades e desafios, o que vai levar ao desespero e à derrocada os capitais menores canabalizados pelos capitais maiores em escala insidiosa, formando um processo recursivo de concentração de recursos e poder tal como uma bola de neve que irá eliminando a diversidade e colocando nas mãos de poucos, cada vez menos numerosos, os recursos de muitos.
Poder excessivamente concentrado confunde o Estado com o Capital, o que conduz à socialização.
Concentração de poder alimentada pelo próprio sistema de produção é fatal para o estado de direito democrático, porque a democracia se alimenta da distribuição do poder.
Assim como a concentração de carbono na atmosfera vai carbonizando nossas matas, a concentração dos processos produtivos irá exterminando a diversificação.
Infelizmente, nesse futuro a democracia será um sistema virtual existente em algumas culturas meramente por amor bucólico à tradição assim como hoje é a monarquia.
NOTA SOBRE O AUTOR
O leitor que não conhece outros posts deste autor pode imaginar pelo texto atual que o mesmo seja de alguma forma contrário à democracia, e está apenas buscando argumentos para enfraquecê-la.
Mero engano, e que poderá ser confirmado através das leituras de posts anteriores, aliás inúmeros, que abordam esse tema sobre democracia.
Infelizmente é necessário deixar a emoção sob a razão quando precisamos entender melhor o contexto daquilo que vivemos ou viveremos.
A razão prevalece e a dor fica como uma contingência do sentimento.
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