Desde criança eu era uma traça de biblioteca.
Deixava de brincar para ler, ler, ler...
Sinto falta da juventude não vivida?
Jamais!!!
Sinto falta de não ter podido ler mais, aprender mais, reter mais.
Meu pai tinha uma bela biblioteca com mais de 3000 volumes em um grande quarto nos fundos da casa onde eu passava a maior parte do meu tempo.
Juntando com os que comprei, após a sua morte, havia mais de 6000 volumes.
Uma sala grande da casa e várias estantes tinham o privilégio de contê-los.
Acabei doando boa parte dessa biblioteca a outras bibliotecas, já que não os leria novamente.
Eu não queria o karma de retê-los só para mim, já que o reuso era improvável.
Garoto ainda, lia todas as biografias dos grandes gênios que a humanidade ia criando.
Gastava minha mesada nisso.
Era algo que me absorvia completamente — a capacidade de compreender, de expandir os limites às tantas perguntas que me angustiavam e ainda me angustiam. Por que aqueles homens tinham respostas que a maioria não tinha?
Isso era algo inexplicável para mim àquela época, mas que continuou a fazer parte do meu "ser" por toda a vida.
Passei a vida frustrado por não ter a memória que sempre sonhei para reter tudo o que aprendia.
Para mim, sempre foi um drama, um sofrimento enorme, uma frustração inconsolável!
Passei a vida rejeitando os meus limites, quem eu era, quem eu sou!
Passei a vida rejeitando a vida!!!
Finalmente trouxeram-me um presente sem que o soubesse, que só pude desembrulhar recentemente.
Nas várias vezes em que estive em companhia daqueles que eram capazes de me fazer transpor os meus limites, eu retornava com um dos dois possíveis estados que me ocorriam:
- ou com a sensação de limite expandido, como se tivesse saído de uma casa pequena para uma maior — aquela dos seus sonhos onde tudo vinha acompanhado de uma alegria indescritível,
- ou como se tivesse perdido o chão sob os pés, onde a realidade desconectava-se do mundo em que sempre vivera.
Essa sensação é semelhante à sensação de "loucura temporária".
Embora são, você não se sente da mesma forma que o usual.
Para minha sorte, a minha burrice me protegeu, porque ela sempre me ancorou naquilo que eu sou, na realidade que posso compreender, do contrário, teria perdido a conexão que me mantém coerente com o mundo em que a maioria de nós vive e que constitui o padrão de sanidade mental.
Hoje, depois de mais de meio século, finalmente agradeço à minha burrice, aos meus limites, pela segurança de me sentir conectado com a vida, naquilo que imaginamos como real, e viver como tal, o que nos faz tão bem, mantendo nossa rotina dentro daquilo que entendemos por normalidade.
A burrice, se de um lado causa restrições, do outro também nos protege do nosso despreparo no confronto com os limites além da nossa capacidade.
Você queria saber o que é estar no limite do seu Eu?
O seu cérebro dispara na capacidade de processamento.
O número de combinações que ele executa para encontrar uma solução dispara, executando operações numa velocidade que você nunca imaginou.
Operações essas que nós normalmente realizamos inconscientemente e que resultam naquele estalo, na ideia que surge na sua mente como algo que cai no colo. A diferença é que nesses processos você está ciente de todas as estapas, participando e conduzindo, onde o nível de consciência expande-se a velocidades que podem acompanhar o pensamento — uma característica intrinsica a estes momentos.
O número de operações transcende ao quociente tempo/espaço a que estamos acostumados, ou seja, à velocidade que cadencia o que entendemos por normal.
Então, é como se você pudesse pertencer a uma outra dimensão de pensamento e realidade onde a sua realidade normal, aquela do seu dia-a-dia, torna-se como uma bicicleta quando você ganha um carro.
Algo de valor meramente sentimental mas totalmente arcaico e inútil quando o objetivo é transpor distâncias no menor tempo.
É muito bom, mas compromete a realidade em que seu corpo físico vive e que sustenta a sua vida.
Os limites do conhecimento esbarram sempre com a sensação de loucura porque você certamente terá que caminhar sozinho diante da dúvida, do despreparo, do desprezo e do juízo daqueles que lhe condenam a sanidade, uma sanidade que é reflexo das restrições comuns à maioria.
A exemplo disso, lembro de um momento da minha juventude.
Quando estava no ensino médio, um professor me localizou no meio da turma e afirmou que eu queria fazer uma pergunta. Isto aconteceu quando cursava o Colégio Objetivo, na Av. Paulista, em São Paulo.
Era uma classe com seus 200 alunos ou mais.
Eu tentei negar.
Queria escapar do constrangimento diante de todos.
Ele parou a aula e avisou:
"Só continuo depois que você fizer a sua pergunta".
E parou mesmo!
A classe reclamou, a situação ficou tensa e então eu fiz a maldita pergunta para me livrar logo da situação.
Ao terminar a pergunta, a classe desabou em algazarra e zombaria.
Ouvi coisas como "o cara fumou", "bebeu", "vai pra casa!", "fala sério!!!", e etc.
O professor, um calejado professor de física da USP do curso de energia nuclear, deixou que a classe estravasasse calmamente... para o meu suplício!
Suportei tudo — foi mais fácil já que não era primeira vez, mas ainda um suplício.
Após o ápice da expansão emocional natural da nossa juventude, ele acenou com os braços pedindo calma. Virou-se para mim e respondeu à minha pergunta.
A classe em polvorosa novamente batia os pés no chão reclamando que não tinha entendido nada!
O som era alto e ecoava por todo o prédio.
Um bedel veio à porta e sossegou assim que o professor acenou que estava tudo sob controle.
Para simplificar a narrativa vou resumir a resposta dele:
"Não adianta gente, não dá para explicar a resposta que dei a ele..."
Novamente, para meu desespero, ele retorna para mim e diz:
"Você tem uma segunda pergunta.
Paro a aula novamente até você perguntar."
Àquela altura eu já imaginava que o cara era "vidente", um ET lendo mentes disfarçado de professor.
Ao mesmo tempo eu olhava para o meu corpo, mãos, pés e tudo o mais para ver se identificava algum tic nervoso em mim mesmo, mas nada!!
Estava quieto na cadeira.
Esse cara sim, era especial!!!
Fiz a segunda pergunta, que era evolução da primeira, mais para me livrar logo da situação.
Novamente, a mesma bomba, a mesma reação da classe, com repeteco e etc.!
Conclusão: confortável é ser normal dentro daquilo que a maioria acha normal. :-)))
Hoje, nos meus momentos burros, ao invés de reclamar, aprendi a desfrutar do conforto dessa normalidade! 😊
E se você for como eu, com seus momentos desconfortáveis ou inconformado com a sua burrice, tire vantagem da última. É muito mais lucrativa em termos de conforto! :-)))
NOTA:
Este post é um legado para todos os jovens, ou não, cuja existência lidou com os limites de si mesmo.
Neste mundo solitário da individualidade que trafega o desconhecido, a solidão é a única companheira do mundo físico, porém a percepção nos diz que não somos únicos, temos companhia, o que nos conforta a alma.
Neste momento raro, onde o tempo já faz "a contagem regressiva" da minha existência, deixo o meu conforto às pessoas assim, que trafegando pelo seu próprio Eu, aparentemente isoladas mas unidas por uma consciência Universal que nos suprime da solidão, transitam a caminho de novos estágios sem medo de fazê-lo solitariamente, ao menos aos olhos do mundo físico!
Não tenha medo. É bom apesar do desconforto.
E se você ao final da leitura, não entendeu nada, está bom também! :-)
Não faz diferença.
Nada faz diferença no processo evolutivo que por si só é o único condutor da nossa evolução.
Nenhum preconceito decorrente de nossos estágios intermediários de compreensão tem o poder para interferir ou mudar algo.
O nome disso é "Deus".
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