Este post estende uma análise sob a perspectiva de senso comum, dando continuidade ao post anterior neste link: "Repensando a Democracia (Raciocina Comigo...)", onde o conceito de "Igualdade Democrática" é revisado, apresentando a distorção de um entendimento amplamente adotado mas inadequado à manutenção saudável da Democracia.
Consertar a Democracia é relativamente simples.
Destruí-la, também!
Agora concertar a Democracia no sentido de harmonizá-la com os vários entendimentos é o grande desafio.
Grandes desafios têm solução desde que se encontre uma estratégia de lidar com a questão complexa em segmentos menores, cuja solução final provê a interação deles.
Se eliminarmos da análise apenas um princípio — corrupção, teremos um bom início de solução.
Por que desconsiderar justamente a corrupção, um ponto tido hoje como central?
Porque a corrupção é falta de comprometimento.
Ou seja, corrupção é qualquer ato contrário às regras pré-estabelecidas, sejam elas morais, econômicas, sociais, religiosas, etc. Dessa forma, considerar a "corrupção" seria uma decorrência óbvia do não cumprimento do esperado. Oras! Qualquer ação cujo objetivo não conta com o comprometimento dos envolvidos é fadada ao fracasso como consequência natural. O ponto vital é o que está por trás dela, ou seja, o que alimenta a corrupção, já que ela é a causa genérica.
Podemos começar por dois princípios fundamentais que barram o desempenho da Democracia:
- Ego
e
- Meritocracia
Ego encandecido destrói tudo!
Empresas, famílias, ambientes de trabalho, amizades, e tudo o mais que você puder elencar aqui.
Nós ficamos cegos pelo medo, pela ambição e pelo orgulho e nossas ações perdem coerência com o objetivo principal.
É uma espécie de autosuicídio social e econômico que "adoramos" praticar diariamente, em pequenas ações ou em grandes. As pequenas até que passam batidas, mas as grandes nos colocam no buraco.
Ego é fruto do medo.
Medo de perdermos o respeito, a dignidade e o apreço que julgamos necessários à nossa sobrevivência psicológica — o valor que precisamos construir sobre nós mesmos face à percepção de que somos apenas um mero "ponto" na vastidão do contexto externo. Essa percepção alimenta o medo que atiça o instinto de sobrevivência e se externaliza inconscientemente na idolatria de nós mesmos.
A ambição conduz ao egocentrismo diante de uma necessidade pessoal insaciável que se torna insensível à necessidade alheia.
A humildade nasce da aceitação incondicional da superioridade de tudo o mais que nos cerca sem que o medo faça parte desse sentimento, portanto sem competir com o nosso senso de existência, seu propósito e o sentido de segurança de que necessitamos.
Humildade necessita de coragem, muita coragem, e uma convicção plena de que a única ameaça real vem daquela que justamente o ego insufla.
Seria talvez, a mais difícil conquista que desafia a nossa persistência já que a humildade é uma das últimas qualidades que construímos porque parece colidir com o nosso instinto de autopreservação.
Uma sociedade com leis que incentivassem seus cidadãos a controlar seu ego, certamente obteria uma divisão de trabalho mais harmoniosa, pois esta é um dos alicerces da democracia.
É bom frisar o termo utilizado: "incentivo".
A luta contra o medo e a sensação de ameaça ao ego não pode ser imposta, justamente porque alimentaria o efeito que se procura reduzir — imposições açulam o ego.
A segundo ponto é a "meritocracia".
Esse é um assunto também muito difícil porque todos nós naturalmente entendemos que é preciso "merecer a recompensa", mas na prática ignoramos isso em diversas circunstâncias.
Um exemplo muito comum vem da distorção de critério quando estamos muito envolvidos emocionalmente. A título de ilustração vamos lembrar de um exemplo clássico: "os pais".
A relação pais vs. filhos é algo único. Pais decididamente têm o critério de análise muito influenciado pela emotividade. Embora natural, pode prejudicar o "juízo" de análise.
Casos assim, onde há muito envolvimento emocional, colocam a "meritocracia" no fundo do poço, porque para analisar mérito dependemos do senso de "justiça" e da equidade emocional que conduz à imparcialidade.
Mais uma vez, observe o termo utilizado — foi dito "equidade emocional" e não "distanciamento emocional". No segundo, corremos o risco de cairmos na indiferença que alimenta a insensibilidade aos problemas que não sejam os próprios, o que também gera distorção de julgamento.
Na "equidade emocional" conseguimos manter o equilíbrio das emoções às partes envolvidas de forma equilibrada, harmoniosa.
A emoção é algo fundamental ao comportamento humano e quando inexistente transforma a alma humana descaracterizando-a, e portanto inábil para julgamentos com humanidade.
A "emoção" é um dom único, exclusivo da vida e que lhe sustenta o sentido, portanto vital desde que equilibrada.
Finalmente chegamos no "cerne do problema".
A maioria das ocorrências que populam as manchetes dos nossos jornais vêm justamente desta temática — a parcialidade no julgamento.
Censo de justiça é algo que varia de um extremo a outro.
Se uma sociedade justa é construída sobre a contrapartida do mérito devido, sem um senso de justiça comum também não há leis comuns que possam estabelecer um critério de mérito aceito pela maioria e através disso formar a base que sustenta a ordem.
Suponha um país com 60% de criminosos.
Logo, a maioria da população achará justo que os mais espertos tirem vantagem dos menos espertos na forma que puderem.
É a lei do mais forte, típica prevalecente das sociedades atrasadas.
Hoje, as nações no mundo começam a construir um senso comum onde a superioridade de armas não pode ser argumento de conquista. A recente ação de Putin vai agilizando e fortalecendo esta construção. É um dos efeitos positivos de algo que está sendo construído por um preço doloroso.
Se olharmos para o passado até o presente, fica fácil entender as sociedades cuja ordem social era estabelecida pela disputa em arena, ou através de guerras, algo que ainda faz parte do presente de uma sociedade cujo avanço tecnológico começa a vasculhar o Universo em busca de contatos interplanetários — com o nosso comportamento atual, o resultado final ficaria bem aquém das esperanças dos ideólogos e cientistas defensores dessa "confraternização extraterrestre"...
(Sinceramente desejo que ainda leve um bom tempo para que se logre sucesso pelo nosso bem e pelo bem deles.) :-))
Como é possível estabelecer uma democracia fortemente contaminada pelo conceito de vitória disputada pela força quando o senso de direito vem da justiça pelo mérito?
Não faz sentido algum — é contraditório uma vez que a força é uma estratégia antidemocrata, arma da ditadura, autocracia, monocracia, etc.
A democracia desse país fictício seria um apanágio para o crime organizado que assumiria o poder e o manteria como um rótulo de um vinho nobre aplicado sobre uma garrafa de vinagre.
O "Povo" compra pelo rótulo.
Se a população desse país fictício estiver ciente da situação e se mantiver condescendente, então ela faz parte desse processo, é conivente à mentalidade de seus líderes.
Na maioria dos casos, a crítica existe enquanto o cidadão não tem a chance de abocanhar uma fatia do bolo de impunidades. Repare isso nos jornais. A oposição reclama, ganha a importância dos holofotes jornalísticos e depois, mais valorizada, repentinamente, sob o mistério do silencio, ganha a "graça do esquecimento oportuno". No jargão da política isso recebe o nome de negociação. No meu recebe outro...
Não existe governo corrupto para sociedade "honesta" onde os ânimos estejam aplacados como solução de longo prazo.
A Democracia adoece quando o seu povo adoece primeiro.
Leituras adicionais:
As Democracias em Perigo de Extinção
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